sábado, outubro 08, 2005

Amor Actual

O texto que a seguir transcrevo chegou-me numa daquelas montanhas de e-mail da treta que todos nós recebemos. E normalmente quando não têm desenhos, vídeos e afins, costumam ir para o lixo logo! Mas não foi o caso aqui... Dei-me ao trabalho de ler e fiquei extremamente surpreso com o dito texto. É atribuído ao Miguel Esteves Cardoso, no Expresso... Se não for dele, peço imensa desculpa ao autor. Já procurei na 'net e encontrei este texto publicado em pilhas de blogs! Não quero saber! Passo a transcrever:

Há coisas que não são para se perceberem. Esta é uma delas.

Tenho uma coisa para dizer e não sei como hei-de dizê-la.

Muito do que se segue pode ser, por isso, incompreensível. A culpa é minha. O que for incompreensível não é mesmo para se perceber. Não é por falta de clareza. Serei muito claro. Eu próprio percebo pouco do que tenho para dizer. Mas tenho de dizê-lo.

O que quero é fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. ninguém aceita amar sem uma razão.

Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria. Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em "diálogo".

O amor passou a ser passível de ser combinado.

Os amantes tornaram-se sócios. Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem.

A paixão, que devia ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam "praticamente" apaixonadas. Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há, estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço.

Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do "tá bem, tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas.

Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo?

O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida, o nosso dá lá um jeitinho sentimental". Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso.

Odeio os novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade. Amor é amor. É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. É uma questão de azar. O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A vidinha é uma convivência assassina.

O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não é para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende. O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal.

Que se invente e minta e sonhe o que quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente.

O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem. Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder. Não se pode resistir. A vida é uma coisa, o amor é outra.

A vida dura a Vida inteira, o amor não. Só um mundo de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também.

Miguel Esteves Cardoso, in Expresso„


Pois... Simplesmente adorei o texto! Não há nada a acrescentar... Dei cor a algumas frases que me tocaram um pouco mais.

Update: Tinha-me enganado no nome do autor, no início do texto.

11 comentários:

Anónimo disse...

normalmente sinto orgulho dos meus amigos... hj é daqueles momentos mais marcantes...

há anos q procuro este texto... ajudaste-me a encontra-lo.obrigado :)
sabia que tinha sido escrito no expresso e já o li numa aula de portugues (onde o conheci há cerca de 9 anos... é assustador ver q nada mudou nao é ?) e num livro de cronicas do autor.
Foi escrito no expresso mas nao pelo Miguel Sousa Tavares, mas sim por outro Miguel... o Miguel do "Amor é fodido" ou da "Noite da Má-lingua" o Miguel Esteves Cardoso e o nome original é Elogio do Amor e do q me recordo acho q foi escrito em 86 ou 87

Anónimo disse...

fds... juro q li sousa tavares...
tb deve ser da hora...

Anónimo disse...

Amor é uma coisa ...Paixão é outra...
Acho que o texto se refere à paixão!
O amor é muita coisa..... é um sentimento que podes nutrir por muitas coisas inclusivé o planeta onde estamos...
O amor deveria era de ser incondicional ... dar sem esperar receber em troca (isso sim é amor)
Paixão é loucura é tudo isso que o texto falou que deveria existir e o texto diz que não existe....Na minha opinião quando olho bem parar o lado ainda vejo esse brilho, essas brigas, essa loucura, em muitos casalinho.Basta reparar bem!
Este era um assunto que poderia ser muito debatido...porque cada caso é um caso e cada coração é um coração! Cabe a cada um de nós lutar pela alegria do nosso coração, seja ela qual for, cabe a cada um decidir!
Angel

Anónimo disse...

Gosto muito do texto e penso que, se foi escrito em 86 ou 87,está muito actual...a intenção talvez seja a de "pedir" às pessoas que, apesar da vida que levam, não esqueçam de amar, de sentir, de viver os sentimentos e as emoções, de se apaixonarem porque é bom e faz falta!

Beijinho

Ricardo Ramalho disse...

cg, sim estava Sousa Tavares no início do texto... fazer posts quando se chega dos copos dá nisto... ;)

Mas é do Miguel Esteves Cardoso. :)

Volto a afirmar que simplesmente adorei o texto.

Anónimo disse...

Tb recebi o texto por mail, via migaralho, adorei, realmente o que faz falta é amar a malta
Abraço :D

Migs disse...

Capitalism made it this way... :)

Anónimo disse...

Já tinha lido este texto numa revista, talvez na Visão. UAU, não sabia que era tão velho! Está cada vez mais actual!
Quando olho bem para o lado, infelizmente vejo esse brilho fosco de muitas relações baseadas na necessidade de ter alguém. Mas talvez seja apenas um problema de exteriorização de sentimentos...
Grande texto!
Há que viver com garra! Com emoção, com idealismo, com amor, com paixão!!!
A vida pode ser um jogo, ou uma aventura, depende do modo como é encarada: numa aventura não são necessárias tácticas,basta viver!

Anónimo disse...

Pois também concordo que hoje em dia falta algo ás pessoas!!
Gostei do texto que li e não conhecia!!
Bem é mui ao encontro de um que coloquei no meu blog do messenger, que tem como titulo "O que é o amor agora?"!!!

Anónimo disse...

Esse texto vem no "Último Volume" do Miguel Esteves Cardoso, de 1991. E o texto chama-se: "Em Nome do Amor Puro.

Este Senhor é um pequeno génio! ;)

Anónimo disse...

Na sequência deste texto, deixem-me acrescentar aqui uma sugestão de leitura do mesmo autor e um pouco na mesma onda: "A Vida Inteira" editado pela Assírio&Alvim (http://www.assirio.com/).